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Investigação da cadeia produtiva do tabaco

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Trabalho infantil, servidão por dívida, altos índices de suicídio e contaminação por agrotóxicos. Uma série de violações de direitos humanos fazem parte do cotidiano da produção de fumo no Brasil há mais de três décadas e estão descritas em detalhe no livro Vidas Tragadas (Papel Social, 2019).

A pesquisa, com apoio da ACT Promoção da Saúde e do MPT, expõe a relação desigual entre fumageiras multinacionais e agricultores da região Sul do país. Trata-se da mais completa investigação já realizada sobre as condições de trabalho no setor, e deu origem a um documentário com o mesmo nome.

O Brasil é o maior exportador mundial de tabaco em folha desde 1993. A produção nacional se concentra no Centro Sul e Sul do Rio Grande do Sul, Planalto Norte de Santa Catarina e Centro Sul do Paraná, e em menor proporção em Alagoas e na Bahia.

No Brasil, a produção de fumo está intimamente vinculada ao trabalho escravo e infantil, além de ser a causadora de doenças, contaminação e suicídios de trabalhadores.

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Principais regiões produtoras investigadas pela Papel Social

Trabalho infantil, servidão por dívida, altos índices de suicídio e contaminação por agrotóxicos fazem parte do cotidiano da produção de fumo há mais de três décadas. O Brasil é o maior exportador mundial de tabaco em folha. Na base da cadeia, pequenos agricultores ficam à mercê de condições desleais impostas por fumageiras multinacionais, que abocanham a maior fatia do preço final do cigarro.

Multinacionais

Seis empresas controlam o mercado global e distribuem o produto para mais de 100 países: British American Tobacco (BAT) e Imperial Tobacco Group, do Reino Unido; Philip Morris International e Altria Group, dos Estados Unidos; China National Tobacco Corporation, da China; e Japan Tobacco International, com origem no Japão e sede na Suíça.

A brasileira Souza Cruz é subsidiária da BAT, fabricante dos cigarros Lucky Strike e Dunhill e maior companhia fumageira do mundo. A Philip Morris International é conhecida pela marca Marlboro, a mais vendida do planeta.

Pequenos fumicultores são reféns dos preços impostos pela indústria e costumam sair frustrados após a classificação do fumo pelos compradores. (Foto: Vitor Shimomura)

Aplicação de agrotóxicos sem equipamentos de proteção individual (EPIs) é uma das causas de problemas de saúde entre os trabalhadores da fumicultura (Foto: Vitor Shimomura)

Estudo identificou adolescentes a partir de 13 anos de idade em atividades de colheita do fumo e aplicação de agrotóxicos, sem os equipamentos de proteção necessários. (Foto: Vitor Shimomura)

Além do risco de contaminação por agrotóxicos, fumicultores estão submetidos a jornadas exaustivas e servidão por dívida, que podem configurar trabalho escravo. (Foto: Vitor Shimomura)

A produção nacional de tabaco se concentra no Centro Sul e Sul do Rio Grande do Sul, Planalto Norte de Santa Catarina e Centro Sul do Paraná (Foto: Vitor Shimomura)

Produção familiar predomina na base da cadeia produtiva do tabaco no Sul do país. (Foto: Vitor Shimomura)

Por conta do trabalho solitário, do endividamento e do contato com substâncias tóxicas, municípios produtores de tabaco têm índices de suicídio maiores que a média nacional. (Foto: Vitor Shimomura)

As condições precárias de trabalho no setor são o resultado de condições abusivas impostas por grandes indústrias fumageiras. (Foto: Vitor Shimomura)

Após a colheita, os fumicultores secam as folhas e as separam de acordo com a qualidade. (Foto: Vitor Shimomura)

A assinatura de contratos formais de compra e venda entre agricultores e fumageiras facilita o mapeamento dos elos da cadeia produtiva, mas não é garantia de trabalho decente. Na prática, os acordos consolidam uma relação de absoluta subordinação dos fumicultores à indústria.

A produção de tabaco ocorre em pequenas propriedades. Os fumicultores preparam a terra, cultivam mudas e as transplantam para o campo, regam e tratam as plantas com agrotóxicos, colhem e secam as folhas e as separam de acordo com a qualidade.

Ao final desse processo, as folhas são vendidas para empresas fumageiras. Algumas destas atuam exclusivamente no processamento do fumo, para posterior distribuição às fabricantes de cigarros. É o caso das companhias estadunidenses Universal Corporation e Alliance One International, líderes mundiais do setor de processamento.

O valor pago aos fumicultores é baseado na classificação feita pela indústria. Não se trata apenas da qualidade do fumo. Entram na equação a conjuntura econômica do país, flutuações no mercado internacional e o volume dos estoques das empresas. Todos esses fatores alteram significativamente a classificação e o preço da matéria-prima, que muitas vezes contrariam as expectativas dos agricultores.

Entre a propriedade fumicultora e a indústria pode haver um elo intermediário. São os chamados “picaretas”, atravessadores que adquirem sem nota fiscal folhas de tabaco preteridas pelas fumageiras. Eles aproveitam momentos de descompasso entre oferta e demanda para obter lucro: compram tabaco desvalorizado, armazenam e revendem para a indústria apenas quando o preço volta a subir.

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Fluxograma da produção do tabaco

Informações-chave

Para ingressar no Sistema Integrado de Produção de Tabaco, requisito para fornecer às grandes empresas, o produtor autoriza a indústria a realizar em seu nome contratos de financiamento para investimento na lavoura do tabaco. Ou seja, contrai dívidas antes mesmo da primeira colheita.

A empresa fumageira atua como mediadora entre o agricultor e o banco. Aqueles que não pagam a dívida correm o risco de sofrer um arresto, “sequestro” de bens determinado pela Justiça como forma de garantia de pagamento. A ação pode incluir até o confisco de folhas de fumo.

Com a “corda no pescoço”, pequenos agricultores ficam reféns dos preços estabelecidos pela indústria e geralmente saem frustrados após a classificação do fumo pelos compradores.

O trabalho infantil é consequência dessa relação desigual. A baixa rentabilidade dos fumicultores aprofunda as dívidas e dificulta a contratação de adultos para auxiliar na lavoura. A pesquisa identificou adolescentes a partir de 13 anos de idade em atividades de colheita e na aplicação de agrotóxicos, sem equipamentos de proteção individual (EPI).

Além do risco de contaminação, fumicultores estão submetidos a jornadas exaustivas e servidão por dívida, que podem configurar trabalho escravo.

Municípios produtores de tabaco têm índices de suicídio maiores que a média nacional. O endividamento, o trabalho solitário e a falta de alternativas econômicas, somados à exposição a produtos tóxicos, afetam a saúde mental dos trabalhadores. O Ministério da Saúde admite o nexo causal entre cultivo do fumo e suicídios desde 2017.

O documentário Vidas Tragadas apresenta imagens e depoimentos inéditos de fumicultores e suas famílias, gravados em propriedades no Sul do país. Os relatos são comoventes e contrastam com os lucros bilionários da indústria nos cinco continentes.

O filme inclui flagrantes de aplicação de agrotóxicos por adolescentes sem EPI e expõe a versão de representantes de empresas fumageiras diante das violações de direitos humanos no setor.

Ações civis públicas ajuizadas a partir de 2007 contribuíram para reduzir a incidência de trabalho infantil na cadeia produtiva do tabaco. Indústrias passaram a exigir atestado de matrícula e comprovante de frequência escolar de crianças que vivem em propriedades fumicultoras e a financiar campanhas publicitárias e capacitações sobre o tema. Ainda assim, o trabalho de adolescentes está longe de ser erradicado.

O MPT busca até hoje o reconhecimento de vínculo empregatício entre fumageiras e agricultores. Procuradores defendem ainda que agricultores que firmaram contratos com cláusulas abusivas tenham suas dívidas declaradas inexistentes.

Empresas do setor, como a Philip Morris Brasil, negociaram acordos para monitorar e prevenir irregularidades na cadeia produtiva no Sul do país. Procedimentos semelhantes estão em andamento em Alagoas e na Bahia. Nos últimos 15 anos condenações pontuais resultaram em indenizações para pequenos produtores, mas não garantiram a regularização completa do setor.

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