Investigação da cadeia produtiva do madeira
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O Brasil tem a maior taxa de desmatamento de florestas nativas do mundo.
O corte seletivo para extração de espécies com alto valor comercial, como ipê, cumaru e angelim, raramente é identificado em imagens de satélite. Quando ocorrem flagrantes, as multas ambientais recaem sobre laranjas de grandes empresas.
A madeira processada em serrarias clandestinas na Amazônia está em milhões de casas nos cinco continentes e oculta uma série de crimes ambientais, fiscais e trabalhistas.
Principais regiões produtoras investigadas pela Papel Social
O Brasil tem a maior taxa de desmatamento de florestas nativas do mundo. A madeira processada em serrarias clandestinas na Amazônia é comercializada nos cinco continentes e oculta crimes ambientais, fiscais e trabalhistas. A apropriação ilegal e “limpeza” dos terrenos, após o corte de árvores de maior valor comercial, abre caminho para outras cadeias produtivas, como da pecuária bovina e do ouro.
As investigações da Papel Social sobre a cadeia produtiva começaram em 2008, por iniciativa do Fórum Amazônia Sustentável e do Movimento Nossa São Paulo. A equipe percorreu cerca de 15 mil km na bacia do rio Xingu e imediações, nos estados do Pará e Mato Grosso.
Maior cidade brasileira, São Paulo é o principal mercado consumidor de madeira e outros produtos da Amazônia. A pesquisa constatou que negócios bilionários se baseavam no desmatamento ilegal e na exploração de trabalho escravo.
Toneladas de madeira saíam de regiões como Altamira (PA) e Alta Floresta (MT) com guias de transporte e notas fiscais obtidas de forma ilegal. Entre as compradoras, estavam grandes empresas do Sul e Sudeste do Brasil, como Tramontina (utensílios domésticos), IndusParquet (pisos) e Sincol (construção civil). Todas alegavam desconhecer as fraudes.
Os primeiros resultados foram apresentados em outubro de 2008 no seminário Conexões Sustentáveis. No ano seguinte, as investigações foram aprofundadas e publicadas pelo Instituto Observatório Social sob o título “Quem se beneficia com a devastação da Amazônia”.
A partir do mapeamento das transações das empresas Pampa Exportações, Vitória Régia, Lacex Timber e Interwood Brasil, beneficiadas pelo desmatamento ilegal, foi possível identificar grandes compradores internacionais. Dentre eles, as empresas canadenses Bois Aise of Montreal e Appalachian Flooring; a australiana Moxon Timbers; e as estadunidenses Great Atlantic International, Robinson Lumber Company e Advantage Trim & Lumber Co.
Fluxograma da produção da madeira
A cadeia produtiva abrange a extração, beneficiamento e comércio da madeira.
A exploração predatória de madeiras valiosas é o primeiro passo para o desmatamento de uma área. Trabalhadores são submetidos a jornadas de trabalho extenuantes e a riscos de morte. Os acidentes mais comuns são esmagamento por cargas de madeira e amputações por máquinas.
Madeireiros adentram a floresta à procura de espécies de alto valor. O corte seletivo abre clareiras na floresta, tornando-a vulnerável a incêndios. Este é o primeiro passo para transformar o terreno em fazendas de grãos, gado ou ponto de garimpo de ouro e outros minérios.
Parte da madeira retirada vira carvão e é comprada por siderúrgicas para fabricação de ferro-gusa e aço.
A madeira bruta, que abastece o setor moveleiro, de construção civil e outros segmentos industriais, é processada em milhares de serrarias na Amazônia. Cerca de 20% da produção é exportada, através dos portos de Belém (PA), Manaus (AM), Santos (SP) e Paranaguá (PA).
Informações-chave
A extração de madeira é um dos vetores do desmatamento da Amazônia. A apropriação ilegal e “limpeza” do terreno abre caminho para outras cadeias produtivas, como a da pecuária bovina, da soja e do ouro.
Madeireiras ilegais, funcionários públicos corruptos e grandes empresas brasileiras e estrangeiras operam em conjunto para lucrar com a devastação da floresta.
Multas ambientais geralmente são direcionadas a elos frágeis da cadeia produtiva, mantendo inalterada a estrutura que financia o desmatamento ilegal. Menos de 5% das multas aplicadas no Brasil por crimes ambientais são efetivamente pagas.
Selos de certificação são insuficientes para garantir que o produto final esteja livre de violações socioambientais.
A madeira é “esquentada” antes de chegar ao consumidor final, ocultando o histórico de fraudes e dificultando a responsabilização dos criminosos.
Os Estados Unidos são o principal destino da madeira da Amazônia no exterior. No mercado interno, o estado de São Paulo continua na liderança, seguido por grandes centros urbanos do Sul e do Nordeste do país.
A Papel Social voltou a investigar a cadeia produtiva da madeira em 2022, nos estados do Pará e Amazonas, a pedido da organização Freedom Fund. Era o último ano de governo do então presidente Jair Bolsonaro, que flexibilizou os órgãos de proteção ambiental e incentivou o avanço do desmatamento.
No Pará, as áreas mais afetadas pelo contrabando de madeira são as terras indígenas Cachoeira Seca e Alto Rio Guamá, a Reserva Biológica do Gurupi, a Floresta Nacional do Tapajós, a Floresta Nacional do Jamanxim e a Reserva Extrativista Ipaú-Anilzinho. No Amazonas, o epicentro da extração ilegal é a região Sul, onde estão os municípios de Lábrea, Apuí, Novo Aripuanã e Humaitá.
As violações de direitos humanos não atingem apenas os trabalhadores do setor. Povos indígenas e comunidades tradicionais, que se opõem à devastação da Amazônia, são alvo de ameaças, agressões e tentativas de extermínio.
Após a derrota eleitoral de Jair Bolsonaro, em 2022, órgãos de fiscalização e controle receberam novos investimentos, mas o Brasil está longe de zerar o desmatamento ilegal.
Redes transnacionais que financiam a devastação da Amazônia continuam operando às sombras, respaldadas pela corrupção de funcionários públicos e pela fragilidade dos mecanismos privados de rastreamento.
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