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Investigação da cadeia produtiva do ouro

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Símbolo de poder e beleza, o ouro é um dos principais vetores da violência contra povos indígenas na Amazônia. O brilho do minério oculta um rastro de desmatamento, contaminação de rios, , exploração sexual, desnutrição e morte de crianças.

A Constituição Federal de 1988 proíbe o garimpo em terras indígenas. As raras exceções requerem autorização do Congresso e consulta prévia às comunidades afetadas, que deveriam ser compensadas pelos ganhos econômicos da extração.

Esses requisitos foram absolutamente ignorados nas últimas décadas, com consequências catastróficas para os povos Yanomami, em Roraima, e Munduruku, no Pará. As duas áreas foram objeto de investigação da Papel Social, como parte de um estudo sobre a cadeia produtiva do ouro encomendado pela organização Freedom Fund em 2022.

Principais regiões produtoras investigadas pela Papel Social

Símbolo de poder e beleza, o ouro é um dos principais vetores da violência contra povos indígenas na Amazônia. Seu brilho oculta um rastro de desmatamento, contaminação de rios, trabalho escravo, exploração sexual, desnutrição e morte de crianças. Corporações que adquirem o minério adotam uma postura de cegueira deliberada diante das violações e fraudes que ocultam a real origem da matéria-prima.

No ano seguinte, a Papel Social realizou um estudo inédito de prevalência do trabalho escravo no garimpo do ouro na Bacia do Rio Tapajós, no Pará, em parceria com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) e o Centro Nacional de Pesquisa de Opinião (NORC) da Universidade de Chicago. A pesquisa permitiu avançar na compreensão da dinâmica do trabalho forçado e subsidiar a ação de órgãos públicos para prevenir ilegalidades.

Foram entrevistados 863 garimpeiros, a maior parte nos municípios de Itaituba, Jacareacanga e Miritituba. Os resultados demonstraram que 39,33% é potencial vítima de tráfico de pessoas. Cerca de 5% dos entrevistados relataram experiências de abuso físico contra si, e 26% relataram ver abuso físico contra terceiros; 47% relataram receber ameaças dos empregadores; e 44% sofreram lesões graves no trabalho na mineração. Quase 60% tiveram que adquirir por conta própria equipamentos de proteção para o trabalho na mineração, e quase metade (49%) relatou sintomas de ansiedade e depressão.

O ouro extraído da Amazônia é usado para fabricação de moedas, jóias, dispositivos eletrônicos, artigos decorativos, próteses dentárias, entre outras aplicações industriais. O minério também serve como ativo ou instrumento cambial no mercado financeiro.

Grandes corporações que adquirem ouro adotam uma postura de cegueira deliberada diante das violações de direitos humanos e crimes ambientais na base da cadeia. Na prática, são elas que financiam esse círculo vicioso, e não demonstram nenhum interesse em rastrear a origem e regularizar as atividades.

Na maior floresta tropical do mundo, o uso de mercúrio para separação do ouro causa danos à saúde de milhares de indígenas, que consomem água e peixes contaminados. A abertura de novos postos de garimpo desequilibra o ecossistema terrestre, comprometendo a segurança alimentar das comunidades locais.

Garimpeiros se aproveitam da vulnerabilidade dos indígenas para cometer crimes como a exploração sexual de crianças e adolescentes, geralmente em troca de alimentos. Além de doenças sexualmente transmissíveis, seu avanço está associado ao aumento de casos de malária.

Facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) fornecem armas e maquinário pesado, garantindo aos garimpeiros segurança para retirar o ouro ilegal. Os grupos criminosos administram casas de prostituição e pontos de comércio de drogas nos garimpos, dificultando o trabalho dos órgãos de fiscalização e repressão.

Fluxograma da produção do ouro

A extração de ouro, primeira fase da cadeia produtiva, pode ser realizada por garimpeiros ou mineradoras. Neste último caso, a exploração requer pesquisas para identificação de depósitos, estudos de viabilidade econômica e licenças ambientais. As principais empresas do setor são subsidiárias da canadense Kinross Gold e da sul-africana AngloGold Ashanti.

Ambas as modalidades provocam danos socioambientais na Amazônia, como o desmatamento e a desestruturação ou expulsão de comunidades indígenas.

Donos de garimpo contam com a conivência e o apoio logístico de proprietários de aeronaves, fazendeiros, servidores públicos e militares.

O ouro é o minério mais associado a casos de trabalho escravo em garimpos no Brasil. Trabalhadores sem qualquer vínculo formal são encontrados em alojamentos precários, sem banheiros e água potável. As jornadas são exaustivas, e raramente há equipamentos de proteção. Em alguns casos, o trabalhador é impedido de voltar para casa porque contraiu dívidas ilegalmente com o dono do garimpo.

A legislação atribui ao ouro de garimpo natureza jurídica de ativo financeiro ou instrumento cambial. As Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVMs), instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central, têm exclusividade na primeira aquisição e recebem pedidos de grandes compradores internacionais.

As DTVMs que lideram o setor são F. D'Gold, OM (Ourominas), Parmetal e Carol. Todas possuem postos de compra de ouro em garimpos autorizados. Elas exigem que o vendedor informe a área de onde o minério foi extraído. Como não há mecanismos de rastreabilidade nesta etapa, as fraudes são recorrentes. Um garimpeiro, cooperativa ou intermediário pode simplesmente mentir sobre a origem do minério.

O Brasil está entre os três maiores produtores de ouro da América Latina e entre os quinze do mundo. Estima-se que mais da metade do ouro extraído no país tenha origem irregular.

Adquirido por uma DTVM, o ouro pode ser comercializado livremente com instituições financeiras e joalherias no Brasil e no exterior.

O ouro da TI Yanomami pode ainda entrar ilegalmente em países vizinhos, como Venezuela, Suriname e Guiana Francesa, ou seguir para Boa Vista, capital de Roraima, para ser adquirido por pequenas joalherias.

No caso da mineração industrial, geralmente a mesma empresa possui estrutura para realizar todas as etapas, incluindo transporte, processamento e exportação.

Entre as grandes empresas suspeitas de adquirir minério extraído ilegalmente da Amazônia estão a joalheira HStern e multinacionais como Apple e Microsoft, que utilizam filamentos de ouro para fabricar celulares e computadores.

Informações-chave

Tanto a mineração em escala industrial como os garimpos provocam danos irreversíveis ao bioma amazônico e aos povos originários. A associação entre garimpeiros ilegais e grupos criminosos como o PCC dificulta a fiscalização e repressão.

O garimpo ilegal de ouro é uma das principais ameaças à sobrevivência dos povos Munduruku e Yanomami. Por se tratar de um negócio extremamente lucrativo, os indivíduos e comunidades que impõem resistência são alvo de ataques e perseguições.

O ouro extraído de garimpos ilegais é facilmente “esquentado” ao ser adquirido por instituições autorizadas pelo Banco Central. As informações sobre origem do minério são autodeclaratórias e não passam por nenhum tipo de checagem ou rastreamento.

Corporações transnacionais que potencialmente adquirem ouro ilegal fazem vista grossa diante das denúncias sobre violações de direitos humanos na base da cadeia, perpetuando um ciclo de violência e devastação.

A crise humanitária na terra indígena Yanomami atingiu seu ápice durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022). A área ocupada por garimpeiros ilegais mais que dobrou no período, e 570 crianças yanomami morreram por causas evitáveis. Só no estado de Roraima, 44 indígenas foram assassinados em áreas de garimpo.

Nos primeiros meses de 2023, o governo recém-eleito de Luiz Inácio Lula da Silva fortaleceu ações de repressão e fiscalização e prestou assistência a mais de mil indígenas da etnia yanomami em situação de vulnerabilidade.

Passado esse esforço inicial, garimpeiros ilegais voltaram a expandir suas operações na Amazônia. A demanda global por ouro continua aumentando e, sem uma postura diligente dos grandes compradores, não há garantias concretas de proteção aos povos que vivem sobre áreas ricas em minérios.

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