As indústrias que dominam o mercado global de chocolate são incapazes de assegurar que a principal matéria-prima de seus produtos está livre de trabalho infantil ou trabalho escravo.
A perpetuação das violações de direitos humanos no setor e a incapacidade de monitoramento por parte das corporações foram demonstradas em um diagnóstico da cadeia produtiva do cacau no Brasil, realizado pela Papel Social em parceria com a OIT e o MPT.
A pesquisa revelou que o trabalho de crianças e adolescentes em propriedades cacauicultoras não está restrito ao continente africano, que lidera a produção mundial de amêndoas. Em milhares de fazendas no Pará e na Bahia, a prática é absolutamente disseminada e entendida pelos produtores como necessária para garantir a renda familiar, diante da imposição de preços por parte de grandes indústrias de processamento, chamadas de moageiras.
No Brasil, a produção e a venda de chocolate, principal mercadoria oriunda do cacau, está contaminada pelo trabalho infantil de crianças e adolescentes que vivem em comunidades rurais nos estados produtores.
A partir do diagnóstico, o MPT ajuizou ações civis públicas contra as principais empresas do setor. Os processos estão em andamento e visam responsabilizar moageiras transnacionais pelas ilegalidades constatadas em sua cadeia de fornecimento.
Países europeus são os maiores consumidores per capita de chocolate. As amêndoas de cacau também abastecem a indústria de cosméticos, transformadas em manteiga e extrato com propriedades dermatológicas. A polpa da fruta é usada ainda para fabricação de geleias, licores e sucos.
O setor de cacau e chocolate tem uma das maiores concentrações econômicas do mercado internacional de commodities. Três moageiras são responsáveis por mais de 90% do cacau produzido no Brasil: Cargill (EUA), Barry Callebaut (Suíça/Bélgica) e Olam International (Singapura), todas com unidades na Bahia.
Em contraste com os valores bilionários gerados pela indústria, municípios que lideram a produção de cacau no Brasil têm baixo desenvolvimento humano e altos índices de analfabetismo e evasão escolar.
Principais regiões produtoras investigadas pela Papel Social
As indústrias que dominam o mercado global de chocolate são incapazes de assegurar que a principal matéria-prima de seus produtos está livre de trabalho escravo e infantil. Em contraste com os valores bilionários gerados pela indústria, municípios que lideram a produção de cacau no Brasil têm baixo desenvolvimento humano e altos índices de analfabetismo e evasão escolar.
Proprietários de fazendas costumam estabelecer parcerias informais com pequenos agricultores ou trabalhadores assalariados rurais, que assumem os processos produtivos.
O baixo rendimento faz com que parceiros ou meeiros incluam os filhos, desde cedo, em atividades da colheita e pós-colheita. As tarefas mais executadas por crianças e adolescentes são a quebra do cacau, com golpes de facão, e a separação da polpa, com as mãos.
Fluxograma da produção de cacau
A cadeia produtiva do cacau abrange 5 etapas. A primeira ocorre nas propriedades rurais e consiste em: colheita, quebra do fruto, separação da polpa, fermentação e secagem das amêndoas. Para secagem, são utilizadas barcaças, estruturas de madeira ou alvenaria onde as amêndoas são expostas ao sol.
As fazendas cacauicultoras não costumam vender as amêndoas diretamente às indústrias de processamento, mas a atravessadores. Estes podem ser galpões, armazéns e distribuidores de cacau, que revendem a mercadoria para grandes moageiras.
Nas indústrias de processamento ocorrem a torra e a moagem das amêndoas, que dão origem à manteiga e, posteriormente, à massa de cacau.
Após os processos finais de beneficiamento na indústria chocolateira, que incluem o desenvolvimento dos sabores e aromas, os subprodutos do cacau são embalados e comercializados dentro e fora do país.
Informações-chave
Produtores de cacau têm capacidade limitada de negociação com atravessadores, devido à imposição de preços por parte da indústria. Este é o principal fator de vulnerabilidade na base da cadeia, que resulta em endividamento, pobreza e superexploração de trabalho
Cerca de 8 mil crianças e adolescentes brasileiros trabalhavam no setor à época da pesquisa. A prática afeta a frequência e o rendimento escolar e é vista pelos pais como necessária para garantir a renda familiar.
O trabalho escravo também permeia os processos produtivos, mascarado por contratos informais de parceria. Além das condições degradantes de moradia, “adiantamentos” e “descontos” feitos sem critério pelos proprietários podem configurar servidão por dívida.
A informalidade das relações se repete fora da esfera trabalhista: o comércio das amêndoas entre produtores e atravessadores locais costuma ser feito sem nota fiscal ou por meio de “notas frias”.
A sonegação contribui para manter a precariedade da infraestrutura e dos equipamentos públicos nos municípios produtores, fragilizando as condições de enfrentamento ao trabalho escravo e infantil.
Nas regiões produtoras do Pará visitadas durante a pesquisa, não havia fábricas capazes de processar volumes significativos de amêndoas. As etapas que agregam maior valor ao produto, além de gerar tributos aos municípios e empregos de melhor qualidade, ocorriam fora dos polos produtores.
Cooperativas de agricultores, que poderiam elevar o poder de barganha e reduzir os custos de produção, são raras nos municípios produtores de amêndoas. Ainda é residual no Brasil a produção de cacau orgânico, com maior valor agregado.
O documentário Rota do Cacau (Papel Social, 2018) sintetiza os resultados da pesquisa a partir do depoimento de produtores do Sul da Bahia e da região da Rodovia Transamazônica, no Pará; proprietários de fazendas; atravessadores; gestores públicos e outros atores relevantes para compreensão das vulnerabilidades na base da cadeia produtiva.
O filme inclui visitas a escolas públicas de Medicilândia (PA), maior produtor de amêndoas do Brasil, que revelam o impacto do trabalho infantil sobre a educação de crianças e adolescentes do município.
A pesquisa também deu origem ao relatório “Cadeia produtiva do cacau: avanços e desafios rumo à promoção do trabalho decente: análise situacional”. Os resultados foram apresentados no Brasil, em novembro de 2018, e nos Estados Unidos, em um seminário na Universidade de Harvard, em abril de 2019.
Com base no diagnóstico elaborado pela Papel Social, em 2018, grandes moageiras foram alvo de ações civis públicas do MPT a partir de 2021 por não implementarem mecanismos suficientes para identificação e prevenção das violações
A Cargill foi condenada em primeira instância pela 39ª Vara do Trabalho de Salvador (BA), em setembro de 2023, por trabalho escravo e infantil em plantações de cacau de seus fornecedores. Ainda não houve uma sentença definitiva, e os processos de regularização da cadeia estão em curso.
O objetivo do MPT é que as corporações do setor sejam obrigadas a formalizar as relações com os fornecedores diretos e indiretos e a realizar a devida diligência em direitos humanos, com mecanismos eficazes e transparentes de monitoramento desde a base da cadeia produtiva.
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