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Investigação da cadeia produtiva do café

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Mais de um terço do café consumido no mundo vem do Brasil. O grão que dá origem a uma das bebidas mais populares na Europa e nos EUA atravessa o oceano carregando uma mancha profunda desde o século XIX: o trabalho escravo ou análogo à escravidão.

Industrializado por corporações transnacionais, o café é produzido em fazendas sujeitas a graves infrações trabalhistas e violações aos direitos humanos. As principais marcas globais que comercializam o produto lucram com o trabalho escravo.

O relatório Mancha de Café, publicado pela Papel Social em parceria com a Oxfam Brasil em 2021, detalha a situação de vulnerabilidade dos trabalhadores da base da cadeia produtiva em Minas Gerais e a responsabilidade de corporações que lucram com o sofrimento humano. O estudo apresenta uma análise dos problemas estruturais do setor e recomenda a adoção de mecanismos de devida diligência por parte de supermercados e indústrias.

Café é produzido em fazendas com graves irregularidades trabalhistas e violações de direitos humanos (Foto: Tatiana Cardeal)

Corporações transnacionais lucram com trabalho escravo nas fazendas de café brasileiras (Foto: Tatiana Cardeal)

Grãos de diferentes origens se misturam nos elos intermediários, e mecanismos frágeis de rastreabilidade não garantem ao consumidor final que o café esteja livre de sofrimento humano (Foto: Tatiana Cardeal)

Cooperativas compram o café, que é torrado, moído e embalado em indústrias de beneficiamento nacionais ou estrangeiras. Torrefadoras são as empresas-líderes do setor (Foto: Tatiana Cardeal)

Colheita é marcada por condições degradantes, alojamentos precários e alto grau de informalidade, com a contratação de safristas e aliciamento para o trabalho escravo (Foto: Tatiana Cardeal)

Desigualdade de gênero prevalece na produção cafeeira. Mulheres têm renda mais baixa que os homens (Foto: Tatiana Cardeal)

Faltam equipamentos de proteção individual, e alguns trabalhadores pagam aos donos da fazenda pelo uso de ferramentas (Foto: Tatiana Cardeal)

Minas Gerais é o principal produtor de café no Brasil e concentra a maioria dos resgates de trabalho escravo no setor (Foto: Tatiana Cardeal)

Acesse o relátorio completo

Violações nas fazendas

Minas Gerais é o estado brasileiro que mais produz café e concentra a maioria dos resgates de trabalhadores escravizados no setor. Parte dos flagrantes recentes de trabalho escravo e infantil ocorreram em fazendas de fornecedores certificados de grandes corporações.

O documentário Mancha de Café (Papel Social, 2021), baseado no relatório, traz depoimentos de trabalhadores rurais que tiveram seus direitos violados e ressalta problemas relacionados à informalidade, desigualdade de gênero e baixos salários na colheita do café. O filme foi produzido com apoio da Articulação dos Empregados Rurais de Minas Gerais (ADERE-MG).

O cenário registrado nas fazendas é de completo desrespeito à dignidade humana. Faltam equipamentos de proteção individual, e as condições de transporte, alimentação e moradia são absolutamente precárias. Trabalhadores passam frio e fome, dormem no chão e ainda pagam aos donos da fazenda pelo uso de instrumentos de trabalho. 

A violência e o uso de mão de obra escrava na cafeicultura, principalmente de pessoas negras, remonta à formação econômica e social do Brasil. O café é um dos principais produtos da economia brasileira desde o período colonial, e motivou o tráfico de milhares de africanos escravizados para o país no século XIX. 

Informações-chave

A colheita do café é feita por trabalhadores temporários e marcada por alto grau de informalidade. Os safristas recebem por diária ou por produção, e têm menor poder de negociação com os empregadores

À época da pesquisa, havia uma defasagem de 41% entre o salário médio praticado na cafeicultura em Minas Gerais e o salário necessário para permitir uma vida minimamente digna ao trabalhador, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE).

As mulheres possuem rendimento médio mais baixo e não têm presença significativa em funções de maior remuneração, como de tratoristas e supervisores agrícolas.

Rotas do trabalho escravo

A pesquisa “Cadeia produtiva do café: rotas do trabalho escravo” foi produzida em parceria com o Global Fund to End Modern Slavery (GFEMS) e descreve o caminho percorrido pelos trabalhadores escravizados com base em dados de relatórios de fiscalização em lavouras de café de Minas Gerais entre 2018 e 2021. O estudo cruza dados sobre locais de residência e de resgate dos trabalhadores, mapeia as principais rodovias utilizadas e oferece uma análise inédita da dinâmica do tráfico humano para fins de escravidão no setor.

Em 2022, a Papel Social elaborou outros dois estudos sobre trabalho análogo à escravidão na cadeia do café, ainda não disponíveis ao público.

Rotas do Trabalho Escravo

Pesquisa realizada com apoio do Global Fund to End Modern Slavery (GFEMS)

Já a publicação “Café e escravidão: brechas na governança corporativa e relações entre lucro e trabalho escravo na cadeia produtiva do café produzido no Brasil” foi elaborada em parceria com a Conectas Direitos Humanos e o Centro de Pesquisa sobre Empresas Multinacionais (SOMO). O relatório aborda estratégias corporativas e lacunas de governança que dificultam a responsabilização de multinacionais pelas ilegalidades na base da cadeia produtiva.

Em 2022, a Papel Social elaborou outros dois estudos sobre trabalho análogo à escravidão na cadeia do café, ainda não disponíveis ao público.

Rotas do Trabalho Escravo

Pesquisa realizada com apoio do Global Fund to End Modern Slavery (GFEMS)

Principais regiões produtoras investigadas pela Papel Social

Mais de um terço do café consumido no mundo vem do Brasil. Antes de ser industrializado por corporações transnacionais, o grão que dá origem a uma das bebidas mais populares na Europa e nos EUA é produzido em fazendas sujeitas a graves infrações trabalhistas e violações aos direitos humanos. Flagrantes de trabalho escravo são recorrentes, mesmo em propriedades rurais com selos de certificação.

Fluxograma da produção de café

O cultivo do café é realizado principalmente em fazendas de pequenos e médios produtores, que podem estar organizados em cooperativas e sindicatos. A maioria dos flagrantes de trabalho escravo ocorre no período de colheita, quando há a contratação de safristas devido à alta demanda por mão de obra.

As cooperativas ou armazéns compram o café dos produtores e o revendem para o mercado interno ou externo. O café verde ou in natura passa pela indústria de beneficiamento, onde ocorre a torrefação, moagem e embalagem. O grão pode ser transformado em café torrado, café torrado e moído ou café solúvel.

A torrefação é a etapa da cadeia onde estão as empresas-líderes do setor cafeeiro, como Nestlé (Suíça), Starbucks (EUA) e Jacobs Douwe Egberts (Holanda). No mercado interno, as principais indústrias torrefadoras são Grupo Três Corações, Jacobs Douwe Egberts Brasil e Mellita do Brasil.

O Brasil exporta principalmente grãos in natura, destinados por traders às torrefadoras estrangeiras. Traders ou exportadoras são elos centrais na cadeia produtiva do café. Entre as maiores estão Louis Dreyfus (França), Volcafe (Suíça) e Olam International (Singapura).

Grãos de fazendas diferentes se misturam ao serem adquiridos por cooperativas, traders ou torrefadoras. Como os mecanismos de rastreabilidade são frágeis, não há garantia de que o café vendido por grandes marcas ao consumidor esteja livre de violações de direitos humanos.

Documentário

4 coisas por trás do café que seu supermercado vende

Depoimentos de trabalhadores

Em junho de 2023, o Ministério do Trabalho e Emprego e entidades do setor assinaram o Pacto Setorial do Café. A iniciativa envolve organizações patronais e de trabalhadores, além de órgãos de governo e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). O objetivo é estabelecer medidas para melhorar as condições de trabalho na produção cafeeira em Minas Gerais e mitigar o trabalho escravo e a informalidade.

Em outubro do mesmo ano, o Ponto de Contato Nacional (PCN) do Brasil, mecanismo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), publicou um relatório com recomendações para a Nestlé aprimorar mecanismos de e evitar violações de direitos humanos em sua cadeia de fornecimento de café.

A ação é resultado de uma denúncia de 2018 contra a multinacional suíça feita pela ADERE-MG, com apoio da Conectas Direitos Humanos. As organizações documentaram casos de trabalho análogo à escravidão em fazendas do Sul de Minas Gerais que forneciam café à Nestlé. Também foram denunciadas ao PCN as multinacionais Dunkin' Donuts, Illy, Jacobs Douwe Egberts, McDonalds e Starbucks.

Documentário

Equidade de gênero nas plantações de café em Minas Gerais

trabalho escravo

tráfico de pessoas

aliciamento

informalidade

desigualdade de gênero

torrefadoras

indústria alimentícia

multinacionais

supermercados

agronegócio

Minas Gerais

Nestlé

Starbucks

Jacobs Douwe Egberts

Olam

Louys Dreyfus

Confira outras pesquisas


Investigação de cadeias produtivas

Para conhecer em detalhe a metodologia proposta, confira a íntegra do livro “Investigação de cadeias produtivas: como responsabilizar empresas que se beneficiam de violações de direitos humanos”.

Abril, 2024

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