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Investigação da cadeia produtiva do carvão/aço

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A indústria siderúrgica é um exemplo pioneiro de responsabilização de empresas por trabalho escravo em cadeias produtivas na Amazônia.

As denúncias da Papel Social foram decisivas nesse processo. Três investigações, publicadas entre 2004 e 2011, constataram crimes ambientais e violações de direitos humanos na derrubada e queima da madeira para obtenção de carvão vegetal: Escravos do aço, A Floresta que virou cinza e O aço da devastação.

As consequências eram catastróficas. Afinal, o aço produzido na Amazônia abastece diversos setores industriais. Carros, geladeiras, computadores e outros bens de consumo comercializados em todo o planeta poderiam conter matérias-primas de origem ilegal.

O insumo era adquirido por grandes siderúrgicas no Maranhão e no sudeste do Pará para fabricação de ferro gusa e aço.

As siderúrgicas construíam alojamentos, fornos e toda a estrutura para obtenção do carvão, mas ocultavam a relação de emprego ao firmar contratos de fachada com pequenos produtores. A mão de obra era aliciada por , a pedido das indústrias, que eram de fato as empregadoras ou tomadoras do serviço.

Escravos do Aço – Observatório Social Em Revista (2004)

A Floresta que virou Cinza – Observatório Social Em Revista (2011)

O Aço da Devastação – Observatório Social Em Revista (2011)

Principais regiões produtoras investigadas pela Papel Social

A indústria siderúrgica possui um longo histórico de crimes ambientais e violações de direitos humanos na Amazônia. A etapa de maior vulnerabilidade é a extração de carvão vegetal para produção de ferro gusa, transformado posteriormente em aço. A matéria-prima é usada na fabricação de bens de consumo comercializados em todo planeta, como carros, geladeiras e computadores.

Sem garantias sociais mínimas, trabalhadores dormiam em alojamentos precários, com péssimas condições de higiene, acesso restrito à água potável e jornadas exaustivas. A matéria-prima chegava às principais tradings globais de aço, como Thyssenkrupp, NMT e Nucor Corporation, que revendiam o produto para montadoras como Ford, General Motors, Nissan e Toyota.

Além do trabalho análogo à escravidão, parte da madeira era extraída ilegalmente de áreas protegidas.

Fluxograma da produção de carvão/aço

Falta de transparência

Em reação às denúncias, donos de siderúrgicas criaram em 2004 o Instituto Carvão Cidadão (ICC). As empresas que aderiram à iniciativa se comprometeram a cadastrar todos os fornecedores e atestar o cumprimento de obrigações trabalhistas e ambientais. Porém, os mecanismos de transparência eram frágeis, e os crimes continuavam acontecendo.

Para conectar os elos e descobrir quem financiava as irregularidades na base da cadeia, a Papel Social investigou a procedência do carvão usado por 8 siderúrgicas que integravam o ICC. A apuração revelou que 4 delas consumiam mais insumos do que seus fornecedores cadastrados eram capazes de produzir; portanto, elas adquiriam matéria-prima de origem oculta.

O esquema contava com a colaboração de um consórcio criminoso formado por servidores públicos, políticos e empresários para “esquentar” carvão retirado ilegalmente de terras indígenas e áreas de preservação.

Os resultados da pesquisa foram publicados em parceria com o Instituto Observatório Social.

Informações-chave

Empresas siderúrgicas financiavam o desmatamento ilegal e a exploração de trabalho escravo na base de suas cadeias produtivas na Amazônia. Elas montavam a estrutura para extração e queima da madeira e dirigiam todo o processo produtivo, mas permaneciam ocultas sob contratos de fachada.

Doenças pulmonares eram frequentes entre os trabalhadores das carvoarias, em decorrência de jornadas exaustivas, condições degradantes e ausência de equipamentos de proteção adequados.

Na prática, as carvoarias não eram meras fornecedoras, mas sim, parte da estrutura produtiva das usinas siderúrgicas. Cabia a elas, portanto, formalizar os contratos de trabalho e regularizar as atividades desde a origem.

As ilegalidades perduraram por décadas, com a conivência de servidores públicos, políticos e empresários.

Dois anos após a criação do ICC, a proporção de trabalhadores com carteira assinada na atividade saltou de 3% para 96%, e 284 carvoarias foram descredenciadas para o fornecimento de matéria-prima.

Ainda em 2004, dezenas de empresas assinaram uma “Carta-compromisso pelo fim do trabalho escravo na produção de carvão vegetal e pela dignificação, formalização e modernização do trabalho na cadeia produtiva do setor siderúrgico”. Nenhuma das iniciativas significou a erradicação das violações socioambientais.

Desde então, houve uma série de condenações de siderúrgicas por trabalho escravo e desmatamento ilegal. Parte das empresas do Pará e do Maranhão firmaram com o Ministério Público Federal (MPF), o e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). As que não regularizaram suas atividades ou não pagaram as multas e indenizações fecharam as portas.

Um dos acordos foi firmado em 2012 entre as siderúrgicas Sidepar, Ibérica e Cosipar e o MPF, que compravam parte do insumo de carvoarias com flagrantes de trabalho escravo. As obrigações das empresas incluíam: fiscalizar em campo todas as carvoarias para atestar a legalidade da origem da matéria-prima; implementar projetos de reflorestamento; manter um banco de dados atualizado, com detalhes sobre cada fornecedor; e comprovar antecipadamente que estavam adquirindo carvão produzido a partir de fontes lícitas.

Nem todos os TACs foram cumpridos integralmente, e empresas do setor respondem até hoje a processos na Justiça. Em março de 2023, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (TRT-8) condenou a Sidepar, a Ibérica e a Cosipar a pagar danos morais coletivos no valor de R$ 3 milhões e a cumprir 22 obrigações trabalhistas – dentre as quais, assinar a carteira de 150 trabalhadores resgatados no município de Goianésia do Pará.

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Para conhecer em detalhe a metodologia proposta, confira a íntegra do livro “Investigação de cadeias produtivas: como responsabilizar empresas que se beneficiam de violações de direitos humanos”.

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