A Papel Social realizou um diagnóstico inédito das violações de direitos humanos na base da cadeia produtiva da reciclagem no Brasil.
Durante um ano, nossas equipes mapearam todos os elos da reciclagem do alumínio, papel, plástico e vidro. A pesquisa aponta a responsabilidade de empresas que se beneficiam do trabalho de 1 milhão de catadoras e catadores nos lixões e nas ruas de praticamente todas as cidades brasileiras.
Este é o mais completo mapeamento do gênero realizado no país.
A cadeia produtiva da reciclagem liga grandes empresas, de diversos setores da economia, ao trabalho escravo e a uma série de violações, principalmente nas atividades que envolvem catadoras e catadores.
O projeto foi conduzido em parceria com o Instituto Lixo e Cidadania (ILIX) e com o Ministério Público do Trabalho (MPT). Os principais resultados estão no livro “Humanidade Descartável: exploração do trabalho escravo pelas grandes corporações na cadeia produtiva da reciclagem”, lançado em 2024. A investigação também deu origem a um documentário e um e-book.
Grandes empresas
A cadeia da reciclagem movimenta bilhões de reais por ano no Brasil. Ela abrange quase todo o setor de transformação: alimentos e bebidas, cosméticos, produtos de higiene e limpeza, produtos agrícolas, automóveis, entre outros.
Além das indústrias recicladoras, os lucros se concentram em grandes marcas, que comercializam seus produtos em embalagens fabricadas com material reciclado. Submetidos a essa estrutura, estão catadores e catadoras em condição de trabalho escravo ou de grave violação de seus direitos fundamentais.
Entre as grandes empresas investigadas estão Braskem, Klabin, Suzano, Latasa, Novelis, Saint-Gobain (França) e Owen-Illinois (EUA). A pesquisa identificou ainda a responsabilidade de marcas conhecidas no cotidiano dos brasileiros, como Coca Cola, Ambev, Heineken, Unilever, Natura, Boticário, Avon, Johnson e Johnson, Nestlé, Mondelez, Danone, Bunge, Basf, P&G e Volkswagen.
Os catadores e catadoras são responsáveis por coletar, triar e comercializar as toneladas de materiais recicláveis que chegam à indústria. Evitar que os recicláveis sejam depositados em lixões e aterros sanitários e retorná-los ao ciclo produtivo é um serviço ambiental também prestado aos municípios, geralmente sem a devida contratação e remuneração.
Assista o documentário
Trabalho escravo e infantil
Catadoras e catadores recebem, em muitos casos, menos de meio salário mínimo mensal — tanto os que trabalham nas ruas e lixões quanto aqueles organizados em associações e cooperativas. O apoio das prefeituras a essas organizações, quando existe, é insuficiente para cobrir as despesas mínimas e não cobre os salários dos trabalhadores, que ainda concorrem com empresas privadas nos contratos de prestação de serviço.
Nas ruas e lixões, o cenário é catastrófico, caracterizado pelo alto risco de acidentes e o completo abandono dos catadores e suas famílias, que trabalham sem equipamentos de proteção e sem garantias sociais mínimas.
Trabalho infantil e trabalho escravo estão presentes em quase toda a base da cadeia produtiva, assim como outras violações de direitos e riscos diversos à saúde e segurança.
Fluxograma da produção de reciclagem
A cadeia produtiva da reciclagem começa com o trabalho do catador. Os catadores autônomos coletam e triam materiais recicláveis nas ruas ou em lixões e aterros sanitários, sem qualquer proteção e infraestrutura. Em geral, vendem diariamente a coleta para ferros-velhos e pequenos atravessadores, ou ainda para organizações de catadores.
O material que abastece as associações e cooperativas pode vir de coleta própria ou da coleta seletiva municipal. A atividade essencial das organizações é a triagem, etapa que não costuma ser remunerada. Com um galpão e o trabalho coletivo, eles conseguem reunir e armazenar um volume maior de materiais para a venda quinzenal ou mensal. No entanto, geralmente são incapazes de comercializar diretamente com a indústria.
A depender da estrutura e capacidade de produção das organizações, os materiais são destinados a atravessadores de médio e grande porte. Os intermediários não realizam triagem e coleta, e se limitam ao comércio dos recicláveis. Por sua capacidade econômica e operacional, conseguem atender à demanda da pré-indústria e da indústria.
A pré-indústria realiza o beneficiamento dos recicláveis, para que possam ser transformados em novos produtos pela indústria. A partir desse ponto, a cadeia da reciclagem se divide entre alumínio, papel e papelão, plástico e vidro.
A indústria recicladora é responsável pela etapa final da reciclagem. O elo de maior poder econômico são as empresas-líderes do setor, que dominam o mercado e têm a capacidade de estabelecer preços ao longo da cadeia produtiva.
Da indústria, os produtos seguem para marcas conhecidas do mercado. Ao chegar ao consumidor final, não é possível assegurar que eles têm origem livre de exploração e de violações de direitos humanos.
Informações-chave
De Norte a Sul do país, catadoras e catadores de recicláveis trabalham em condições precárias, insalubres e nocivas à saúde. O trabalho geralmente não é remunerado. Os catadores realizam as tarefas mais árduas do processo produtivo, mas recebem apenas pelos materiais que conseguem vender.
O trabalho infantil predomina nos lixões e aterros sanitários, enquanto situações que caracterizam trabalho escravo são mais frequentes nos centros urbanos. Os produtos reciclados que retornam ao consumidor por meio de grandes marcas são obtidos a custo de sofrimento humano e de severas violações de direitos.
Renda é a principal fragilidade observada entre os trabalhadores. Catadoras e catadores costumam obter menos de um salário mínimo com o trabalho realizado. Como não conseguem fornecer materiais diretamente à indústria recicladora, ficam à mercê dos atravessadores.
Os municípios brasileiros falham em implementar a coleta seletiva. Em razão da falta de apoio do Poder Público, as organizações enfrentam sérias dificuldades para manterem seu funcionamento.
Principais regiões produtoras investigadas pela Papel Social
A cadeia da reciclagem movimenta bilhões de reais por ano no Brasil. Além das indústrias recicladoras, os lucros se concentram em grandes marcas, que comercializam seus produtos em embalagens fabricadas com material reciclado. Submetidos a essa estrutura, estão catadores e catadoras de baixa renda, vulneráveis a trabalho escravo, infantil e outras graves violações de direitos.
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Rondônia
Distrito Federal
São Paulo
Paraná
Santa Catarina
Braskem
Klabin
Suzano
Latasa
Novelis
Saint Gobain
Owen-Illinois
Bunge
Coca-Cola
Nestlé
Ambev