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Investigação da cadeia produtiva da reciclagem

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A Papel Social realizou um diagnóstico inédito das violações de direitos humanos na base da cadeia produtiva da reciclagem no Brasil.

Durante um ano, nossas equipes mapearam todos os elos da reciclagem do alumínio, papel, plástico e vidro. A pesquisa aponta a responsabilidade de empresas que se beneficiam do trabalho de 1 milhão de catadoras e catadores nos lixões e nas ruas de praticamente todas as cidades brasileiras.

Catadores usam ferramentas para abrir sacos de lixo em Codó (MA). O trabalho nos lixões costuma envolver famílias inteiras, de criança a idoso. Foto: Giuliano Bianco

Catadora em Pacajus (CE) coleta materiais ao lado de máquina carregadeira. O trânsito de veículos pesados é constante nos lixões e pode provocar atropelamentos e soterramentos. Foto: Giuliano Bianco

Adolescente de 15 anos em situação de trabalho infantil no lixão de Codó (MA). Filha de catadores, ela frequenta o local desde os 11. Sem sapatos ou luvas, procura por materiais recicláveis em meio a resíduos de todo o tipo. Foto: Giuliano Bianco

Trabalho infantil na cadeia da reciclagem ocorre principalmente em aterros sanitários e lixões. Foto: Giuliano Bianco

Crianças e adolescentes pelo Brasil enfrentam condições degradantes e insalubres na catação de recicláveis. Foto: Giuliano Bianco

Chegada de caminhão com resíduos em Codó (MA), momento em que começa a jornada das milhares de pessoas que trabalham nos lixões brasileiros. Foto: Giuliano Bianco

Catadores descarregam resíduos no lixão de Aracati (CE). Foto: Giuliano Bianco

Trabalhador coleta recicláveis em meio a urubus no lixão de Aracati (CE). Foto: Giuliano Bianco

Lixão de Aracati (CE) é fonte de renda para cerca de 100 famílias, que trabalham em condições precárias e insalubres. Foto: Giuliano Bianco

Dona Mazé, 61 anos, e a neta no lixão de Pacajus (CE). A mãe da criança é uma adolescente de 17 anos em situação de trabalho infantil. Renda mensal familiar não chega a meio salário mínimo. Foto: Marques Casara

Catadora em Codó (MA). É frequente nos lixões a presença de mulheres idosas, muitas vezes acometidas por problemas de saúde decorrentes do trabalho exaustivo. Foto: Marques Casara

Catadores são transportados em caminhão com resíduos no lixão de Codó (MA). Foto: Marques Casara

“Somos escravos das grandes empresas e da indústria lá fora” - José Derlânio, 51 anos, catador no lixão de Pacajus (CE). Foto: Giuliano Bianco

Mãos de trabalhador no lixão de Pacajus (CE). Foto: Giuliano Bianco

Este é o mais completo mapeamento do gênero realizado no país.

A cadeia produtiva da reciclagem liga grandes empresas, de diversos setores da economia, ao trabalho escravo e a uma série de violações, principalmente nas atividades que envolvem catadoras e catadores.

O projeto foi conduzido em parceria com o Instituto Lixo e Cidadania (ILIX) e com o Ministério Público do Trabalho (MPT). Os principais resultados estão no livro “Humanidade Descartável: exploração do trabalho escravo pelas grandes corporações na cadeia produtiva da reciclagem”, lançado em 2024. A investigação também deu origem a um documentário e um e-book.

Humanidade Descartável

Grandes empresas

A cadeia da reciclagem movimenta bilhões de reais por ano no Brasil. Ela abrange quase todo o setor de transformação: alimentos e bebidas, cosméticos, produtos de higiene e limpeza, produtos agrícolas, automóveis, entre outros.

Além das indústrias recicladoras, os lucros se concentram em grandes marcas, que comercializam seus produtos em embalagens fabricadas com material reciclado. Submetidos a essa estrutura, estão catadores e catadoras em condição de trabalho escravo ou de grave violação de seus direitos fundamentais.

Entre as grandes empresas investigadas estão Braskem, Klabin, Suzano, Latasa, Novelis, Saint-Gobain (França) e Owen-Illinois (EUA). A pesquisa identificou ainda a responsabilidade de marcas conhecidas no cotidiano dos brasileiros, como Coca Cola, Ambev, Heineken, Unilever, Natura, Boticário, Avon, Johnson e Johnson, Nestlé, Mondelez, Danone, Bunge, Basf, P&G e Volkswagen.

Os catadores e catadoras são responsáveis por coletar, triar e comercializar as toneladas de materiais recicláveis que chegam à indústria. Evitar que os recicláveis sejam depositados em lixões e aterros sanitários e retorná-los ao ciclo produtivo é um serviço ambiental também prestado aos municípios, geralmente sem a devida contratação e remuneração.

Assista o documentário

Trabalho escravo e infantil

Catadoras e catadores recebem, em muitos casos, menos de meio salário mínimo mensal — tanto os que trabalham nas ruas e lixões quanto aqueles organizados em associações e cooperativas. O apoio das prefeituras a essas organizações, quando existe, é insuficiente para cobrir as despesas mínimas e não cobre os salários dos trabalhadores, que ainda concorrem com empresas privadas nos contratos de prestação de serviço.

Nas ruas e lixões, o cenário é catastrófico, caracterizado pelo alto risco de acidentes e o completo abandono dos catadores e suas famílias, que trabalham sem equipamentos de proteção e sem garantias sociais mínimas.

Trabalho infantil e trabalho escravo estão presentes em quase toda a base da cadeia produtiva, assim como outras violações de direitos e riscos diversos à saúde e segurança.

Roberto, 46 anos, coleta materiais recicláveis em um carrinho de supermercado por São Paulo (SP). Na época da entrevista, estava em situação de rua. Sua produção diária é vendida à Coopamare, cooperativa de catadores mais antiga do Brasil, e retorna a grandes empresas da cadeia produtiva. Foto: Giuliano Bianco

Na Associação Novo Amanhecer, em Curitiba (PR), os associados coletam materiais individualmente em carrinhos pelas ruas e os reúnem para venda coletiva. Terezinha, 59 anos, trabalha há 13 na associação e tem renda inferior a meio salário mínimo mensal. Foto: Giuliano Bianco

“Pelo serviço que a gente presta aqui, a remuneração [pelo poder público] é zero” - Toni Industrial, 43 anos, na Catanorte, cooperativa anexa ao lixão de Vila Princesa, em Porto Velho (RO). Foto: Marques Casara

Maria Célia, 71 anos, trabalha na Ascamar, associação que ajudou a fundar em São Luís (MA). Para complementar a renda de meio salário mínimo mensal, que sustenta outros sete familiares, a catadora separa e armazena recicláveis em sua própria casa. Foto: Giuliano Bianco

Trabalhadora na Cataparaná, em Curitiba (PR). Mulheres são maioria nas associações e cooperativas, que também constituem uma uma rede de proteção social às catadoras. Foto: Giuliano Bianco

Trabalho de catadoras na esteira de triagem da Cooperpac, em São Paulo (SP). Foto: Giuliano Bianco

Catadores realizam diversos procedimentos antes de destinar os produtos à reciclagem. Na foto, Lia, 50 anos, e sua filha retiram o conteúdo de embalagens aerossóis na Catamare, em Curitiba (PR). Foto: Giuliano Bianco

Roselaine, 39 anos, assessora técnica do MNCR em Curitiba (PR), ingressou no trabalho na infância e, hoje, relata que sua realidade se transformou através da organização e da luta por direitos. Foto: Giuliano Bianco

Catadoras fazem a triagem na Coopernoes, uma das 22 cooperativas vinculadas à Centcoop, em Brasília (DF). Foto: Marques Casara

Waldomiro, 61 anos, presidente da Cataparaná, trabalhou sozinho durante 15 anos nas ruas de Curitiba (PR). Junto ao ILIX e o MNCR, ele ajudou a organizar associações e cooperativas na região. Foto: Giuliano Bianco

Alexsandro (39), Laurecy (39) e Lucas (34) trabalham na reciclagem desde crianças em Curitiba (PR) e fundaram a Associação dos Catadores Automotores (A.C.A) para garantir melhores condições de trabalho para as famílias de seu bairro. Foto: Giuliano Bianco

Fluxograma da produção de reciclagem

A cadeia produtiva da reciclagem começa com o trabalho do catador. Os catadores autônomos coletam e triam materiais recicláveis nas ruas ou em lixões e aterros sanitários, sem qualquer proteção e infraestrutura. Em geral, vendem diariamente a coleta para ferros-velhos e pequenos , ou ainda para organizações de catadores.

O material que abastece as associações e cooperativas pode vir de coleta própria ou da coleta seletiva municipal. A atividade essencial das organizações é a triagem, etapa que não costuma ser remunerada. Com um galpão e o trabalho coletivo, eles conseguem reunir e armazenar um volume maior de materiais para a venda quinzenal ou mensal. No entanto, geralmente são incapazes de comercializar diretamente com a indústria.

A depender da estrutura e capacidade de produção das organizações, os materiais são destinados a atravessadores de médio e grande porte. Os intermediários não realizam triagem e coleta, e se limitam ao comércio dos recicláveis. Por sua capacidade econômica e operacional, conseguem atender à demanda da pré-indústria e da indústria.

A pré-indústria realiza o dos recicláveis, para que possam ser transformados em novos produtos pela indústria. A partir desse ponto, a cadeia da reciclagem se divide entre alumínio, papel e papelão, plástico e vidro.

A indústria recicladora é responsável pela etapa final da reciclagem. O elo de maior poder econômico são as empresas-líderes do setor, que dominam o mercado e têm a capacidade de estabelecer preços ao longo da cadeia produtiva.

Da indústria, os produtos seguem para marcas conhecidas do mercado. Ao chegar ao consumidor final, não é possível assegurar que eles têm origem livre de exploração e de violações de direitos humanos.

Informações-chave

De Norte a Sul do país, catadoras e catadores de recicláveis trabalham em condições precárias, insalubres e nocivas à saúde. O trabalho geralmente não é remunerado. Os catadores realizam as tarefas mais árduas do processo produtivo, mas recebem apenas pelos materiais que conseguem vender.

O trabalho infantil predomina nos lixões e aterros sanitários, enquanto situações que caracterizam trabalho escravo são mais frequentes nos centros urbanos. Os produtos reciclados que retornam ao consumidor por meio de grandes marcas são obtidos a custo de sofrimento humano e de severas violações de direitos.

Renda é a principal fragilidade observada entre os trabalhadores. Catadoras e catadores costumam obter menos de um salário mínimo com o trabalho realizado. Como não conseguem fornecer materiais diretamente à indústria recicladora, ficam à mercê dos atravessadores.

Os municípios brasileiros falham em implementar a coleta seletiva. Em razão da falta de apoio do Poder Público, as organizações enfrentam sérias dificuldades para manterem seu funcionamento.

Principais regiões produtoras investigadas pela Papel Social

A cadeia da reciclagem movimenta bilhões de reais por ano no Brasil. Além das indústrias recicladoras, os lucros se concentram em grandes marcas, que comercializam seus produtos em embalagens fabricadas com material reciclado. Submetidos a essa estrutura, estão catadores e catadoras de baixa renda, vulneráveis a trabalho escravo, infantil e outras graves violações de direitos.

trabalho infantil

trabalho escravo

informalidade

atravessadores

multinacionais

reciclagem

catadores

alumínio

papel

plástico

vidro

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indústria alimentícia

cosméticos

higiene e limpeza

automóveis

Ceará

Maranhão

Rondônia

Distrito Federal

São Paulo

Paraná

Santa Catarina

Braskem

Klabin

Suzano

Latasa

Novelis

Saint Gobain

Owen-Illinois

Bunge

Coca-Cola

Nestlé

Ambev

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