||||||

Investigação da cadeia produtiva do gesso

5 minutos de leitura

5 minutos de leitura

No sertão pernambucano, uma camada de pó branco encobre a paisagem e os corpos dos operários. As consequências da produção de gesso à saúde da população local são devastadoras.

Trabalhadores de todas as etapas da cadeia produtiva estão constantemente expostos a poluentes, ruídos, cargas excessivas, temperaturas elevadas e máquinas perigosas.

Um dos materiais mais utilizados na construção civil no mundo, o gesso é produzido em condições degradantes e está comprovadamente associado à contaminação ambiental e humana nos municípios do Sertão do Araripe (PE).

Encobertas pela poeira branca, estão graves violações de direitos humanos, como trabalho escravo e infantil.

Cadeia produtiva do gesso está associada a graves violações de direitos humanos no Polo Gesseiro do Araripe, em Pernambuco. (Foto: Vitor Shimomura)

Poeira branca causa problemas respiratórios nos trabalhadores e no conjunto da população do maior polo gesseiro do Brasil. (Foto: Vitor Shimomura)

Corpos dos trabalhadores ficam encobertos pelo pó branco, que também provoca irritação na pele e nos olhos e sangramentos no nariz. (Foto: Vitor Shimomura)

Neve no sertão: paisagem semiárida no Nordeste coberta por resíduos da produção de gesso. (Foto: Vitor Shimomura)

Produção de gesso provoca contaminação ambiental e humana na região do Araripe. (Foto: Vitor Shimomura)

Todas as etapas da cadeia envolvem baixas rendas, jornadas exaustivas, condições degradantes, riscos de acidentes graves, desenvolvimento de problemas de saúde e ocorrência de trabalho infantil. (Foto: Vitor Shimomura)

“Tomara que hoje saia dinheiro… Meu deus, mais pedra pra eu britar”: desenho na parede de fábrica expressa o sofrimento e as angústias dos trabalhadores. (Foto: Vitor Shimomura)

Trabalhadores relatam riscos de acidentes graves, que podem causar lesões e amputações. (Foto: Vitor Shimomura)

É frequente a falta de equipamentos de proteção individual (EPIs), por omissão de muitas das empresas. (Foto: Vitor Shimomura)

Exposição ao calor, poeira e ruídos são constantes na rotina dos trabalhadores do gesso. (Foto: Vitor Shimomura)

A informalidade nas relações de trabalho e comércio é uma característica marcante do setor gesseiro, em todas as etapas da cadeia produtiva. (Foto: Vitor Shimomura)

Em geral, ambientes de trabalho e demais instalações são precárias e inadequadas. (Foto: Vitor Shimomura)

Riscos à saúde e segurança também se refletem na insalubridade das condições sanitárias e de locais para alimentação e descanso, com a falta de banheiros, refeitórios e água potável. (Foto: Vitor Shimomura)

Cadeia Produtiva do Gesso

Avanços e desafios rumo à promoção do trabalho decente – análise situacional

Sertão Branco

O Brasil está entre os maiores produtores mundiais de gipsita, minério que dá origem ao gesso. Quase toda gipsita brasileira vem do estado de Pernambuco, seguido em menor escala por Maranhão, Ceará e Tocantins.

As melhores jazidas para aproveitamento econômico estão no Polo Gesseiro do Araripe, composto pelos municípios de Araripina, Trindade, Ipubi, Bodocó e Ouricuri. Além do nível elevado de pureza do minério e das condições propícias à mineração, os municípios pernambucanos têm a seu favor a localização, que facilita o escoamento da produção por meio de rodovias.

A riqueza oriunda do gesso não chega aos moradores do Araripe. Os problemas da cadeia produtiva extrapolam a esfera do trabalho e atingem os indicadores de desenvolvimento humano de toda a região, fragilizada pela vulnerabilidade social e pela falta de políticas públicas.

Mais da metade da população dos cinco municípios do polo gesseiro está em situação de extrema pobreza. A taxa de óbitos e internações por doenças respiratórias é superior às médias estadual e nacional.

Adolescentes não conseguem se manter na escola, devido ao trabalho exaustivo na produção e transporte do gesso. A informalidade predomina no setor, e a renda é quase sempre insuficiente.

Principais regiões produtoras investigadas pela Papel Social

Um dos materiais mais utilizados na construção civil no mundo, o gesso é produzido em condições degradantes e está comprovadamente associado à contaminação ambiental e humana no sertão de Pernambuco. Os problemas extrapolam a esfera trabalhista e atingem os indicadores de desenvolvimento humano de toda a região, fragilizada pela falta de políticas públicas.

A Papel Social constatou diversas irregularidades trabalhistas e violações de direitos fundamentais no Polo Gesseiro do Araripe. Nossa equipe realizou um amplo diagnóstico da cadeia produtiva do gesso, estabeleceu conexões entre os diferentes elos, identificou as condições de trabalho e analisou o contexto social, econômico e fiscal dos cinco municipios.

A pesquisa baseou-se em viagens de campo, revisão bibliográfica, coleta de dados, análise de relatórios de sustentabilidade e mais de 60 entrevistas.

Um mapeamento completo da cadeia foi realizado, com dezenas de empresas identificadas como consumidoras diretas ou indiretas do gesso do Araripe.

O estudo deu origem ao relatório “Cadeia produtiva do Gesso - Avanços e desafios rumo à promoção do trabalho decente: análise situacional”, publicado em agosto de 2021 pela , e Fundação Getúlio Vargas (FGV). O relatório integra o projeto “Promoção e Implementação dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho no Brasil”, parceria da OIT com o MPT.

O documentário Sertão Branco (Papel Social, 2018) ilustra os processos produtivos e as condições de trabalho extremamente precárias na base da cadeia do gesso em Pernambuco.

Relatos de trabalho infantil, acidentes graves e enfermidades revelam um cenário de completo desrespeito à legislação trabalhista e aos direitos fundamentais.

Acesse o relatório completo

Fluxograma da produção do gesso

A mineração é a etapa onde se extrai a gipsita bruta do solo, a partir de procedimentos como decapagem, perfuração e detonação. Os trabalhadores realizam a limpeza do terreno, operam máquinas e caminhões, manuseiam marteletes (pequena britadeira) e fazem a detonação com explosivos.

A gipsita in natura pode seguir dois caminhos: abastecer diversos segmentos industriais ou ser destinada a calcinadoras, que a transformam em gesso.

No primeiro caso, os maiores compradores são fabricantes de drywall (sistema de construção a seco) e indústrias agrícola, cimenteira e de construção civil. O gesso agrícola é utilizado em diversas cadeias produtivas para corrigir a acidez do solo.

Nas calcinadoras, o gesso em pó é obtido pela exposição da gipsita ao calor. Atuam nessa etapa calcinadores, forneiros, balanceiros e carregadores. São produzidos o gesso alfa, de maior qualidade e valor agregado, e o gesso beta, que é o mais utilizado na construção civil e dá origem a outros produtos, como gesso cola, gesso projetado e gesso cerâmico.

Os fornos das calcinadoras são alimentados com lenha extraída por trabalhadores florestais, muitas vezes ocultos na cadeia produtiva. A extração de lenha na caatinga também envolve condições absolutamente precárias e trabalho infantil.

Outros insumos utilizados nos processos de obtenção do gesso vêm das indústrias de metalurgia, de equipamentos e manutenção industrial, de embalagens e de aditivos químicos.

O gesso em pó segue, novamente, dois caminhos: para a fabricação de pré-moldados ou para grandes indústrias, como cimenteiras, construção civil, fabricantes de drywall e de produtos odontológicos.

Fabriquetas, também chamadas de plaqueiras ou gangorras, produzem placas, blocos e painéis de gesso. São centenas de empresas desse tipo na região, a maioria de pequeno porte, sob gestão familiar e com alto grau de informalidade. Em algumas delas, o processo é totalmente manual.

Os trabalhadores plaqueiros, principalmente mulheres, fazem uma massa com o gesso, preenchem as formas dos pré-moldados e desenformam os produtos finais, que seguem para comercialização. Em média, cada plaqueiro ou plaqueira produz e carrega duzentas placas de gesso em oito horas de trabalho.

O carregamento e transporte tanto do gesso em pó quanto em placas é realizado por trabalhadores informais, por intermédio de agenciadores que negociam com fábricas e caminhoneiros.

Os carregadores esperam pelos caminhões em postos de gasolina e são contratados de acordo com a demanda do dia. A função é exaustiva e arriscada, mas um valor ínfimo é pago por tonelada.

Quase toda a produção brasileira é consumida no mercado interno.

O gesso produzido com violações de direitos humanos é comprado por construtoras, incorporadoras, prestadoras de serviço de aplicação, armazéns e lojas de materiais de construção.

A gipsita bruta é extraída através da mineração do solo, em um processo que envolve operação de máquinas e detonação com explosivos. (Foto: Vitor Shimomura)

Após a mineração, a gipsita in natura segue para a indústria agrícola e cimenteira, entre outros segmentos. Para ser transformada em gesso, deve passar pelas calcinadoras. (Foto: Vitor Shimomura)

Nas calcinadoras, ocorrem processos como trituração, moagem, peneiração e calcinação, que consiste na exposição da gipsita ao calor. (Foto: Vitor Shimomura)

Violações de direitos também estão ocultas na lenha que abastece os fornos das calcinadoras, extraída por trabalhadores sob condições precárias e crianças e adolescentes em trabalho infantil. (Foto: Vitor Shimomura)

Exposição ao calor, poeira e ruídos são constantes na rotina dos trabalhadores do gesso. (Foto: Vitor Shimomura)

Gesso é carregado por trabalhadores informais e segue para a fabricação de pré-moldados ou para grandes indústrias. (Foto: Vitor Shimomura)

O Polo do Araripe abrange centenas de fabriquetas, plaqueiras ou gangorras, que produzem placas, blocos e painéis de gesso. (Foto: Vitor Shimomura)

A maioria das fabriquetas são empresas de pequeno porte, com processos manuais e trabalhadores sem registro formal. (Foto: Vitor Shimomura)

A partir do gesso, os plaqueiros fazem uma massa, preenchem as formas dos pré-moldados e desenformam manualmente. (Foto: Vitor Shimomura)

Em média, cada plaqueiro ou plaqueira produz e carrega duzentas placas de gesso em oito horas de trabalho. (Foto: Vitor Shimomura)

Carregadores “avulsos” são agenciados em postos de gasolina para o transporte do gesso em pó e em placas. (Foto: Vitor Shimomura)

Motoristas aguardam a chegada de cargas em postos de gasolina. O serviço deles e dos carregadores é totalmente informal, sem garantia de renda ou direitos trabalhistas. (Foto: Vitor Shimomura)

Jovens e adolescentes que atuam no carregamento e transporte de gesso dificilmente conseguem conciliar os estudos com o trabalho extenuante, que envolve esforços físicos intensos por longos períodos. (Foto: Vitor Shimomura)

Cada saco de gesso pesa de 40 a 60 kg. Os trabalhadores, incluindo adolescentes em idade escolar, chegam a carregar individualmente mais de 200 sacos por dia. (Foto: Vitor Shimomura)

Informações-chave

O trabalho infantil é uma prática recorrente em todas as etapas da cadeia do gesso. As violações atingem principalmente adolescentes em idade escolar. Muitos trabalham durante a madrugada e têm enorme dificuldade em conciliar os estudos com esforços físicos intensos, cansaço extremo, dores, queimaduras e acidentes. A atividade gesseira consta na .

A precariedade da infraestrutura de trabalho e das condições de saúde e segurança estão entre os principais problemas do setor. Sem equipamentos de proteção individual (EPI) ou roupas adequadas, os trabalhadores são expostos a uma série de riscos. Acidentes graves resultam em lesões, mutilações e mortes. São frequentes as dores na coluna e doenças respiratórias, cardíacas e auditivas.

A produção gesseira é marcada por absoluta informalidade nas relações de trabalho e comerciais. A maior parte das transações não gera notas fiscais. A grande assimetria de poder existente entre as pequenas e médias empresas do Polo do Araripe em relação às empresas líderes do setor agrava o cenário e dificulta o monitoramento da cadeia produtiva.

Mulheres sofrem diversas formas de desigualdade e discriminação de gênero, como disparidade salarial e assédio moral e sexual no ambiente de trabalho. Há ocorrências de exploração sexual de meninas às margens de rodovias e postos de gasolina, onde se concentram caminhoneiros na etapa de distribuição do gesso.

Fraudes tributárias prejudicam a arrecadação dos municípios do Araripe, carentes em investimentos em saúde e educação. A população, majoritariamente rural, tem baixa escolaridade, acesso reduzido à saúde pública e condições inadequadas de saneamento e moradia.

Com base no diagnóstico produzido pela Papel Social, OIT, MPT e FGV elaboraram um Plano de Desenvolvimento Local (PDL) com diretrizes para a promoção do e melhoria das condições de vida na região do Polo do Araripe.

A análise da cadeia do gesso serviu de base para mesas de diálogo com o setor privado, através de parceria com a Rede Brasil do Pacto Global da ONU, e para a cobrança de respostas por parte de governos estaduais e municipais.

Em 2019, foi criado o Grupo de Trabalho (GT) Gesso 2030, no qual entidades públicas e privadas se comprometeram a criar ações e estratégias de enfrentamento aos problemas encontrados e apoiar a consolidação do PDL.

O projeto “Neve no sertão: a experiência do MPT na (re)configuração do ambiente do trabalho do maior polo gesseiro do mundo” conquistou o segundo lugar na categoria Transformação Social do Prêmio CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) em 2019.

trabalho escravo

trabalho infantil

informalidade

crime ambiental

desigualdade de gênero

exploração sexual

gesso

construção civil

Pernambuco

Confira outras pesquisas


Cadeia produtiva do café

Industrializado por corporações transnacionais, café é produzido em fazendas sujeitas a graves infrações trabalhistas e violações aos direitos humanos. Acesse investigações da Papel Social sobre trabalho escravo no café.

Abril, 2024

Investigação de cadeias produtivas

Para conhecer em detalhe a metodologia proposta, confira a íntegra do livro “Investigação de cadeias produtivas: como responsabilizar empresas que se beneficiam de violações de direitos humanos”.

Abril, 2024

ARTIGOS RELACIONADOS

22/08/2019 | Organização Internacional do Trabalho - OIT e MPT: Projeto para melhoria das condições de trabalho no polo gesseiro de Pernambuco conquista 2º lugar no Prêmio CNMP.