Coletada em locais de difícil acesso no coração da Floresta Amazônica, a castanha-do-Brasil é um produto nobre dentro e fora do país. Embora sua amêndoa tenha alto valor agregado, os trabalhadores da base da cadeia produtiva vivem em situação de vulnerabilidade e recebem uma fatia ínfima do valor pago pelo consumidor em lojas e supermercados.
Também conhecida como castanha-do-pará, castanha-da-amazônia, tocari ou tururi, a semente da castanheira é de extrema importância para a economia local e fonte de renda para populações tradicionais e indígenas. É o principal Produto Florestal Não Madeireiro (PFNM) da região amazônica.
Os homens e mulheres coletores de castanha são o principal elo de uma cadeia produtiva que começa na floresta e termina nas maiores empresas de alimentos do mundo. À mercê de atravessadores, as famílias extrativistas enfrentam condições de vida e trabalho absolutamente precárias. A coleta é realizada sob jornadas exaustivas e perigos constantes na mata fechada. As relações de trabalho são informais e há prevalência de trabalho infantil e trabalho escravo.
Nossa equipe visitou municípios produtores de castanha no Amazonas, coletou dados, mapeou organizações locais e gravou mais de 151 entrevistas com extrativistas e outros atores da cadeia produtiva, gestores públicos e pesquisadores. A pesquisa, desenvolvida entre 2018 e 2019, permitiu diagnosticar os problemas estruturais da cadeia produtiva e identificar caminhos para promover melhores condições de trabalho desde a base.
Como resultado dessa investigação, a OIT e o MPT publicaram em 2021 o estudo “Cadeia produtiva da Castanha-do-Brasil - Avanços e desafios rumo à promoção do trabalho decente: análise situacional”. O diagnóstico foi realizado pela Papel Social em colaboração com o Centro de Estudo Interdisciplinar em Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (CEDSA) da Universidade Federal de Rondônia (UNIR).
O relatório faz parte do projeto “Promoção e Implementação dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho”, fruto de um acordo de cooperação entre MPT e OIT.
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O documentário Castanhal (Papel Social, 2020) retrata a árdua rotina dos trabalhadores nos meses de colheita pelo interior da floresta, na divisa do Amazonas com o Acre. O filme recebeu diversos prêmios em festivais nacionais e internacionais de cinema e foi veiculado na TV Câmara e na TV Senado.
A atividade nos castanhais é ensinada de pai para filho: crianças abrem a mata e quebram os frutos da castanheira com golpes de facão. O transporte da produção requer dias de viagem por trilhas na mata e pelos igarapés, onde os trabalhadores enfrentam fome, cansaço e riscos de morte.
Imagens impactantes também mostram o avanço do desmatamento e do agronegócio, que ameaça a floresta e o modo de sobrevivência das comunidades ribeirinhas.
Do castanhal ao mercado
A castanheira (Bertholetia Excelsa H.B.K.) é nativa da Floresta Amazônica e predomina em toda a bacia do rio Amazonas. Pode chegar a 50 m de altura e até 800 anos de vida. Seu fruto é conhecido como ouriço e cai das árvores ao amadurecer. Cada fruto contém de 15 a 24 sementres de castanha in natura (com casca). Da semente, é extraída a amêndoa (sem casca) e o óleo, utilizado na indústria alimentícia e cosmética.
O Brasil já deteve a hegemonia nas exportações de castanha nos anos 1990, mas hoje responde por apenas uma parcela do mercado global, liderado por Bolívia e Peru. A produção brasileira é escoada principalmente no mercado interno. No setor de alimentos, os fabricantes de pães estão entre os maiores compradores.
O estado do Amazonas é o principal produtor nacional de castanha-do-Brasil. A análise situacional feita pela Papel Social concentra-se na região de Boca do Acre (AM), onde foram encontradas irregularidades na produção de castanha em 2017 pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM).
Localizada no sul do Amazonas, a microrregião compreende os municípios de Boca do Acre e Pauini e é uma das principais produtoras de castanha-do-Brasil. Nela estão localizadas a Reserva Extrativista Arapixi e as Florestas Nacionais de Purus e de Mapiá-Inauini. A economia local se baseia na agricultura de subsistência e na agropecuária.
Principais regiões produtoras investigadas pela Papel Social
Coletada em locais de difícil acesso no coração da floresta, a castanha-do-Brasil é o principal Produto Florestal Não Madeireiro (PFNM) da Amazônia. Famílias extrativistas ficam à mercê de atravessadores, enfrentam condições de trabalho absolutamente precárias e recebem uma fatia ínfima do valor pago pelo consumidor final em lojas e supermercados.
Fluxograma da produção da castanha-do-Brasil
Os extrativistas utilizam técnicas tradicionais e trabalham em núcleos familiares dentro das florestas. Eles preparam o local, coletam e quebram o fruto da castanheira, extraem e lavam as sementes e as armazenam em paneiros (cestos) ou sacos. Com o cesto cheio, cada trabalhador carrega nas costas cerca de 85 a 90 kg.
A produção da castanha in natura é transportada em canoas e vendida em baldes a um ou mais intermediários. Entre eles, estão os “regatões”, que fazem empréstimos informais aos extrativistas para viabilizar a coleta, o que provoca dependência e endividamento.
Os intermediários comercializam com os grandes compradores locais, que estocam o produto e revendem aos principais centros de comercialização no Brasil e no exterior ou diretamente às indústrias de beneficiamento.
Na etapa de beneficiamento, são obtidas as amêndoas. As sementes são limpas, secas, cozidas, descascadas e classificadas. Por fim, as amêndoas chegam às indústrias de processamento, responsáveis pela fabricação dos produtos finais, distribuídos ao consumidor.
Informações-chave
Mais da metade da população de Boca do Acre e Pauini se encontra em situação de pobreza ou extrema pobreza. A informalidade e o baixo índice de escolaridade são os principais vetores das violações de direitos humanos.
No período de safra, famílias se instalam por até seis meses dentro da floresta, que se torna moradia e ambiente de trabalho. São frequentes ataques de animais peçonhentos, doenças como malária e acidentes graves.
Os extrativistas são explorados pelos atravessadores em um sistema de servidão por dívida. Famílias sobrevivem o ano todo da renda obtida durante a safra (de outubro a abril) e precisam tomar empréstimos para preparar a coleta do ano seguinte.
O trabalho infantil é uma prática naturalizada nos castanhais. A depender da capacidade física, crianças e adolescentes desenvolvem as mesmas atividades que os adultos, sob riscos gravíssimos à saúde e à segurança. Em média, elas ingressam no trabalho a partir dos 8 anos de idade.
Comunidades ribeirinhas sofrem ameaças e estão perdendo seu território para o agronegócio. Grilagem, desmatamento e queimadas têm convertido centenas de hectares de castanhais em área de pastagem. Diferentemente da pecuária bovina, o extrativismo da castanha depende da sobrevivência da floresta e também contribui para sua preservação.
A cadeia apresenta falhas de rastreabilidade: não há emissão de notas fiscais na base e a produção se mistura nos intermediários. A indústria, portanto, não é capaz de garantir que obtém a castanha sem sofrimento humano.
Em 2022, a OIT e o Governo do Amazonas firmaram uma parceria para implementar um plano-piloto de promoção ao trabalho decente na cadeia produtiva da castanha-do-Brasil.
Com base no estudo da cadeia realizado pela Papel Social, o projeto visa a melhoria das condições de vida das comunidades ribeirinhas extrativistas.
As “Diretrizes Estratégicas Castanha 2030” incluem medidas voltadas à saúde, educação, segurança no trabalho, capacitação e melhoria das condições de moradia, saneamento, energia e comunicação das comunidades.
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